Como o âmbar, que preserva a mosca para nada saber de seu vôo
Apresento essa resenha para destacar a relevância do livro Desler Lacan para os estudos da obra e do ensino de Lacan no âmbito acadêmico. Afirmo isso como participante de um Programa de Pós-Graduação em Psicanálise. Desse recente livro de Ricardo Goldenberg (Instituto Langage, 2018), já há duas resenhas publicadas pelo jornal Folha de São Paulo e o autor respondeu, em seu blog, à primeira delas, escrita por C. Dunker. Se a resenha de Dunker destaca o conceito de desleitura a partir de Harold Bloom; a segunda resenha, por Pacheco, aborda a leitura a partir de Roland Barthes. Na minha resenha, quero privilegiar a desleitura como crítica à substancialização do inconsciente.
A capa do livro é ilustrativa do título e remete ao âmbar que preserva a mosca para nada saber de seu vôo. Ou seja, a replicação que deixa de lado o mais inovador no ensino de Lacan. O título da minha resenha tomou a epígrafe do livro que, por sua vez, é a frase final do prefácio escrito por Lacan (1969) à publicação da primeira tese acadêmica sobre seu ensino: livro de Anika Lemaire (1970).
Entre as inovações que ficaram esquecidas, e às quais se dedica Goldenberg em seu Desler Lacan, destaco a seguir duas. No Seminario 17, tratava-se de um crítica ao complexo de Édipo bem antes que Deleuze e Guattari saíssem com seu antiédipo. No Seminário 20, Lacan não teoriza a sexualidade nem em termos de gênero nem em termos de gozo, mas em termos de lógica discursiva. Enfim, Lacan estava visando uma teoria não substancialista da psicanálise.
Marta D'Agord é mestre em filosofia e doutora em psicologia. Professora do PPG Psicanálise: clinica e cultura. UFRGS. Porto Alegre.