Um acorde e 4000 buracos

Considerações prévias (no espírito de Lucy no céu com diamantes).

Ninguém queria saber, embora todo mundo soubesse, que a Lonely Heart’s Club Band tinha vindo enterrar os Beatles. O fato de os quatro estarem presentes no funeral, bem al lado da coroa de flores vermelhas com o nome da banda, não mudava nada quanto ao essencial. Digo, quanto ao fato de tratar-se de um enterro. E que o militar tenha sido uma figura um tanto obscura –pouco se sabe sobre ele, e nada sobrou da sua passagem por este mundo, a não ser um retrato pintado a mão e a caricatura com a qubeatles-psicanalise-arte_ricardogoldenbergal foi satirizada a Banda dos CoraçõesSolitários na guerra contra os Blue Meanies. Em todo caso, supõe-se que tenha sido um militar de baixa patente do Exêrcito de Sua Majestade, o que não deixa de ser irônico, já que os Fab Four não apenas nunca esconderam um certo bairrismo “liddipoolense” contra a empáfia britânica, como John tinha devolvido à rainha a comenda recebida por serviços prestados à Coroa (Most Excellent Order of the British Empire), precisamente como protesto contra a participação militar da inglaterra em Biafra e o apoio aos EEUU em Vietnã. Fala-se, ainda, de uma séria rusga, intermediada por Ringo Starr, entre Lennon e James Bond, que se tornara um orgulhoso cavaleiro do império, mais ou menos na mesma época (honraria que Ian Flemming, seu Watson assumido, morreu desejando).

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Psicanálise, magia, ciência e religião – Parte II

Participação de Ricardo Goldenberg no evento do Centro de Estudos Psicanalíticos, em 1998.

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No círculo cínico ou Caro Lacan, por que negar a psicanálise aos canalhas?

livro_ricardo-goldenberg_no-circulo-cinico-ou-caro-lacanA máxima de ‘levar vantagem em tudo’, coerente com a corrupção crônica que infesta todos os estamentos da vida civil, parece exprimir uma verdadeira ética do malandro. Lado obscuro da fé cega de que sempre há de haver um jeito (para driblar as regras em benefício próprio). À lei universal internalizada do sujeito ético – há três séculos alicerce de toda reflexão sobre a moral – se substitui a paixão do esperto em ser a exceção que confirma a regra (dos outros). O problema é que esta exceção torna-se regra – a da malandragem -, e resulta difícil imaginar o que será feito dos tolos no dia em que se realize a sonhada nação da esperteza.

Vertigem desta curiosa dialética do malandro e do otário – versão bufa do legado hegeliano, mas não por isso merecedora de menor atenção – que o autor se dispõe a examinar neste trabalho. Menos para somar à legião dos descontentes (ou seja, daqueles que chegaram tarde ao reparte do bolo), que para demonstrá-la efeito de um novo discurso vigente na civilização. O discurso do cínico que, como qualquer outro, determina a organização mesma dos vínculos sociais em que se realiza e se exercita nossa subjetividade.

Assim é se lhe parece

Uma vez, durante um daqueles jantares denominados “de confraternização” eu exprimi minha opinião de que proibir os símbolos era uma medida inútil e até contraproducente no combate à causa que o símbolo representa. Eu acredito que se a conversa fosse sobre brasões em geral a questão nem teria sido levantada, porém era da suástica que se falava e do uso que dela fazem nossos periféricos punks.

Do meu lado estava sentada uma senhora que se ergueu como pôde na sua cadeira para me apostrofar. “Se você fosse meu filho,” ela disse, mais para o resto da mesa do que para mim, “eu te esbofeteava! Um judeu de pai e mãe, como você,” continuou, “não tem o direito de ser pragmático!  Deixa isso para ela”, concluiu, indicando outra comensal, cujo sobrenome português delatava a cristã nova.

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Suspense

Suspense  é um anglicismo, vem do substantivo inglês “suspense”; refere-se ao momento de maior tensão no enredo do filme, da peça de teatro, do romance, enfim, de qualquer narrativa. Na origem tratava-se de uma figura de linguagem derivada do adjetivo “suspenso” que quer dizer:

1. Pendurado, pendente.

2. Cessado temporariamente; interrompido.

3. Parado, sustado.

4. Perplexo, irresoluto, indeciso.

5. Gram. Que faz sentido incompleto.[1]

O equilibrista suspenso na corda: conseguirá atravessar o vazio? O suspense não é o terror, embora a fronteira entre ambos não esteja bem delimitada. A iminência da queda é um elemento do prazer do suspense, mas é preciso preservar uma zona obscura, de incerteza, atinente ao desfecho. (mais…)

An Oak Tree

“Um Carvalho”, no original, “An Oak Tree“, foi apresentado por Michael Craig-Martin, o artista irlandês de 62 anos, pela primeira vez em Londres, em 1974, e se encontrava até o mês passado (março de 2004) na mostra A Bigger Splash, na Oca, no parque Ibirapuera de São Paulo…

 

Na exposição, “Um Carvalho” é acompanhado de um texto. Ei-lo:an oak tree

Pergunta – Para começar, você poderia descrever esta obra?
Resposta –
Sim, claro. O que fiz foi transformar um copo d’água em um carvalho sem alterar os acidentes do copo d’água. (mais…)

Apócrifos

García Marquez está morrendo. Mas, oh vanitas!, nem pela obra nem pelo Nobel considerou-se dispensado de convocar uma coletiva de imprensa para renegar de um poeminha denominado Marionete, que circula na www como seu testamento literário: “O que pode me matar não é o câncer, mas a vergonha de que alguém acredite que eu tenha escrito uma coisa tão cafona.” ‘Tá bom, Gabo, não será dessa vez que terminarás num quadrinho na parede da cozinha, como Borges com o poema instantes (1) . Ou num marcador de livro, como os ensinamentos do mago Paulo Coelho, que não me surpreenderia se fossem lidos na calada da noite por muitos empenhados durante o dia na sua execração pública. (mais…)

A história do fim da análise

Eu tenho um nome a zerar
Glauco

Quem se propor a escrever uma
biografia está engajando-se na
mentira, no disfarçe, na bajulação…
A verdade não é acessível.
Freud

Muchas gracias, pero yo consigo
equivocarme solo
Meu pai

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