…Porque (por que?) temos um presidente perigoso

Porque nos diz o que queremos escutar. Que não há desmatamento na Amazônia; que não existem buracos na camada de ozônio; que a iminência da catástrofe climática mundial e uma história da carochinha (contada por cientistas que nos querem mal); que as catástrofes de Mariana ou Brumadinho são fatalidades; que o desemprego é mentira da ideologia; que o PIB vai crecer 40 %; que Deus não apenas vela por nós, como é brasileiro, enfim, que não há vírus nenhum ou que ele não nos matará, como ao resto dos otários…

Não há. E se houver, é uma gripezinha de nada. E se não for, há um remedinho que ele vende e que o faz passar já, já. E se não passar, há de morrer apenas quem merece —o rebotalho do capitalismo: velhos onerosos dos combalidos cofres da previdência, pobres improdutivos, desabrigados, drogados, e outros pecadores que sequer vale a pena nomear. Não a gente de bem, nunca. E se estes também cairem, é o desígnio divino e não nos cabe tentar compreender. De algo temos que morrer e  não vamos culpar o presidente por cada infarto, cada câncer, cada acidente de trânsito, cada desavença resolvida a bala, vamos?

 

E no fundo, quem de nós, secretamente, não desejaria que fosse verdade? No fundo, ou nem tão fundo assim, não seria maravilhoso se estiver certo? Se este pesadelo fosse apenas um engodo ideado por cientistas a serviço de interesses esconsos, ou políticos infames contrários a nosso bem-estar ou jornalistas, inescrupulosos fantoches das forças obscuras que querem acabar com o Brasil? Terra justa e próspera, abençoada por Deus e bonita por natureza.

Meu pai fazia parecido por amor: dizer que tudo estava bem e daria certo, enquanto fortes indícios da tempestade que se desencadearia sobre nossas cabeças diziam o contrário. E nós, a sua família, achávamos por bem cegar nossos olhos para as nuvens juntando-se no céu e para o vento a soprar cada vez mais violento. Considerar estes sinais era mera superstição e questionar, imperdoável falta de fé no patriarca. Pagávamos seu amor com o amor da nossa ignorância, já que obscuramente sabíamos que se (nos) enganava para nos proteger. Mas para nos proteger do quê? Não certamente da desgraça que a sua impotência não podia prevenir. Talvez de reconhecer-lhe tal e tamanha impotência, que só era uma falta e um pecado pela insistência de todos em continuar acreditando em O Pai. Teríamos feito melhor por ele (e por nós), livrando-o (livrando-nos) do peso da investidura. De outro modo, para preservarmos a ilusão de termos um capitão a nos levar a bom porto, afundamos junto com ele e com o barco. Somos como os tripulantes de aquele outro barco, o Pequod, obedecendo as ordens do seu capitão, Ahab, que apenas estava interessado em alcançar a baleia branca Moby Dick custe o que custar Preciso lembrar que essa história foi contada pelo único sobrevivente?

 

Alguém comparou este outro capitão, nosso presidente, com O Flautista de Hämelin. Estava certo, mas, se ele for como o capitão Ahab, nós somos a sua tripulação embasbacada; e se for como o  mencionado flautista, somos os ratos, ou as crianças. E vamos terminar no fundo do mar, ou do rio, ou destruídos pelo vírus, porque queremos um pai, por imaginarmos que nos ama; por desejarmos ser liderados por um capitão (ou um general), enquanto não deixamos de saber que ele está interessado apenas em caçar a sua baleia, ou o poder e as benesses que serão só para ele e para os seus.

 

Estou falando de sedução —palavra derivada do latim seducere,  que literalmente significa “desviar do caminho”. E com quanta alegria nos desviamos do nosso quando alguém nos diz o que queremos escutar? Que é melhor divertir-se do que ir à escola, no caso de Pinóquio, por exemplo, e como ele vamos todos terminar convertidos em burros, ou pior…

 

NUESTRAS MALAS PALABRAS

Nadie, que yo sepa, ha hablado mejor de las malas palabras que Fontanarrosa. Las palabrotas, como él observa, son palabras de peso. Firmes, no meras palabritas llevadas por el viento. Algunas son eternas, como las ofensas a la madre, a la masculinidad o a la virtud del que ha sido golpeado por una de ellas. Otras, locales o transitorias de un determinado lugar o período. Freud consideraba un innegable progreso cultural tirar una palabra en vez de una piedra, y por eso era tan cuidadoso cuando se trataba de seleccionar las suyas.

La “palabra subida de tono” que mejor define a los porteños en particular y a los argentinos en general, al menos cuando vistos desde afuera, y que vale tanto como una palmada amistosa en la espalda cuanto como una injuria. Me refiero, claro está, a boludo. La cuestión es que boludo (o “boluda”, aquí su etimología masculina se pierde con el uso) puede ser y no ser un insulto. Sino, veamos en “No seas boludo, Boludo”, el primero podría considerarse una invectiva y se refiere a algo que el interpelado ha dicho o hecho, mientras que el segundo es apenas un apodo campechano, como lo usan dos amigas que se encuentran en el Florida Garden: “¿Qué decís, Boluda?” “Bien, Boluda, ¿y vos?”

 Una vez dije en chiste que “boludo” era una clase vacía, puesto que nadie, absolutamente nadie, admite ser miembro de tal clase. Los boludos son siempre los otros. Insinuaron que tal vez fuese yo el único boludo…

Del punto de vista de su lógica, “boludo” es lo inverso de “judío”. En este último caso, basta decirse tal para formar parte de la clase de los judíos. No hace falta ser portador de ningún trazo positivo (no, ni siquiera la circuncisión). En el caso de la boludez, es necesario y suficiente haber sido así calificado por algún otro. En ese sentido, la clase de los judíos se constituye por todos aquellos que se llaman a sí mismos de tal, y la de los boludos, por todos los que han sido así denominados. Y quién, en la Argentina, no ha sido llamado boludo alguna vez? Del judaísmo se diría que es la clase a la cual nadie quiere entrar (por eso, si alguien se declara miembro, no se le han de pedir más credenciales), y de la boludez, la clase de la que todos quieren salir.

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NUESTRAS MALAS PALABRAS

a morte da política

 

A diferença entre a inteligência e a estupidez é que a inteligência é limitada.

Roberto Campos

 

Por exemplo, se você chegou até “por exemplo”, isso quer dizer que atravessou a arrebentação do nome de Roberto Campos e talvez possa surfar com o autor altas ondas. Caso contrário, terá tomado um caldo por culpa da sua ideologia e permanecerá na praia. Nunca saberá se perdeu ou não alguma diversão. Mas o autor poderia ter escolhido outra epígrafe. Poderia ter optado por esta:

Duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez. E não tenho certeza quanto ao universo.

Albert Einstein

 

Diz mais ou menos o mesmo, e o texto ficaria sob o guardachuva da autoridade do grande sábio gentil, tranquilo como a água de uma lagoa sem vento. Por que então escolher o primeiro? Por dois motivos, é mais elegante e cria o problema que deseja pensar: a burrice ideológica.

Pensar a ideologia é possível, o que não é possível é um pensamento ideológico, visto que a ideologia é o não-pensamento; é a resposta pronta entrega, o sentido fixado de antemão. E pensar é sempre por em questão o sentido recebido, petrificado, fazer o percurso da resposta até a pergunta que lhe deu orígem, e que já não é mais colocada, pois toda resposta se basta. Responder é erguer um muro que nos proteja da angústia pela falta de sentido que espreita do outro lado. Na peça de Brecht, Galileu Galilei, o cientista diz para os teólogos que a verdade está sobre suas cabeças, basta olhar pelo telescópio. Eles respondem que não tem nada que ver, a verdade está na mão, escrita nos livros de Aristóteles. A ideologia é isso, a transformação de um pensamento vivo –o de Aristóteles– em um dogma morto. Um pensamento sustenta seu movimento das perguntas que habilita; o dogma é como a lama de Mariana, o depósito do lixo das respostas recebidas sufocando qualquer dúvida.

Mas a loucura, a loucura é imaginar que fazer política equivale a implementar uma ideologia. Se entendemos por política a administração de conflitos de interesse de grandes massas de gente, um programa ideológico equivale a impor uma solução unilateral para eliminar o conflito. Solução baseada num conjunto de ideias tido como o bem supremo ou a verdade absoluta, imposta pela força. É a morte da política. Cabe enfatizar, porém, que afirmar a burrice da ideologia não é fazer pouco dela. A ideologia é tão poderosa quanto é burra. E quanto mais estúpida seja, mais poderosa ela se torna. Uma frase como “é melhor estar errado com Sartre, que estar certo com Aron”, é de uma burrice espetacular. Pérola ideológica, afirma que morrer por uma causa faz desta uma causa justa. É a lógica que sustenta a ação política dos caras que morreram para matar os humoristas desarmados de Charlie Hebdo. Quem duvida que se trata de verdadeiros idealistas? Eu tenho horror dos idealistas, mas acredito, com Alain Badiou, que o único modo de nos defendermos deles é pensando-lhes a lógica. Rejeitá-los sem entender, é catastrófico; é se deixar vencer pelo terror e cair na debandada da manada frente ao ataque das onças.

A estupidez não é falta de inteligência, longe disso. A estupidez é uma paixão. Jacques Lacan diz que é uma das grandes paixões humanas, maior que o amor e o ódio. Ele a chama “paixão da ignorância”, e consiste em agarrar-se firme a um sentido para eliminar toda dúvida e qualquer pergunta. É uma piada definir o homem como “ser racional”, visto que a sua apaixonada burrice mostra a sua queda pelo irracional. Nesse sentido, diria, somos todos ideológicos, e a grande aposta seria ao menos não nos vangloriarmos disso para, quem sabe, começarmos a pensar um pouquinho as coisas fundamentais, sem tanto horror pelo abismo da angústia.