LIBIDO

Talvez a primeira grande teoria que representou a passagem da alquimia para a química, em finais do século XVII, tenha sido a teoria do flogisto, de Stahl. Antes da descoberta do oxigênio, aproveitada por Lavoisier para derrubá-la quase um século depois, a combustão explicava-se pela liberação de uma substância invisível contida nas coisas inflamáveis, que ao soltar-se do seu continente pegava fogo. Já na física, a hipótese alquímica dos cinco elementos perdurou até Einstein dispensar o último deles, o éter, para explicar o deslocamento das ondas eletromagnêticas no vazio interestelar. Até então, bolavam-se experimentos para detectar o vento etéreo causado pelo deslocamento dos planetas.

A teoria freudiana das paixões, que substituiu os espíritos animais de Descartes pela hidrodinâmica de um fluído hipotético, invisível, sem peso conquanto viscoso, a circular pelo corpo, e que ao aderir-se a determinadas representações de objetos externos causava os afetos humanos, afigura-se-me bastante semelhante à flogística. A sua acumulação, quando impedido de ser evacuado mediante ações concretas de descarga, responde por afetos dolorosos como a angústia e, a longo prazo, por afecções dos nervos duradouras conhecidas como neuroses.

130 anos passados, em pleno século XXI, depois da relatividade e da mecânica quântica; dos aceleradores de partículas e da descoberta do boson de Higgs; das fotos dos ecos dos primeiros segundos do universo, dos supercondutores, da biologia molecular, da nanotecnologia, do gps e de um robô andando pela superfície de Marte, os psicanalistas de todas as filiações pós-freudianas ainda acreditam na existência de pulsões movidas a libido, localizadas, não já na glândula pineal, como a alma para Descartes, mas em algum local místico situado “entre o psíquico e o somático” (tal como a imagem de um telescópio, ilustrava Freud, formada entre as lentes), a funcionar como causa material daquilo a que Kant chamava de “vontade”.

É verdade que a libido, recuperada por Freud dos poetas latinos para a sua mecânica hipotética da alma, no espírito da física de Helmholtz, foi como que uma premonição da testosterona, descoberta em 1935 ou da endorfina, isolada em 1974. Também é notável que tenha entrado talvez mais que o inconsciente (ainda denominado “subconsciente”) na cultura popular e até na bula de alguns remédios. O Citalopram, por exemplo, lista entre seus possíveis efeitos colaterais uma diminuição da libido. Com este espírito brincávamos com meu querido amigo Ricardo Estacolchic de termos descoberto o componente do sangue responsável por alguem tornar-se um loser. O denominamos “perdedorina” e nos imaginávamos ganhando o prêmio Nobel de fisiologia ao bolar a vacina para contrarrestar as altas taxas de perdedorina causadoras da ruína de tanta gente conhecida.

Alguns defensores mais modernos da teoria pulsional se encomendaram aos santos da nova genética e dos scanners da atividade neurocerebral para repaginar a pulsão em termos de programas instintuais, enquanto outros, ainda acanhados, e por falta de um conceito melhor, a qualificam de metafórica ou figurativa. Oscar Masotta, por exemplo, com elegante verônica de toureiro, ensinava que ao falar da energia pulsional Freud simplesmente “queria dizer” que… o desejo é enérgico! Outros, ainda, como Reich, que preferia chamar esta substância de orgônio, a tomavam ao pé da letra, a ponto de inventar baterias para recolher a energia gerada pela combustão provocada pela sua liberação, num movimento new age avant-la-lettre, lindamente recuperado pelos (agora, pelas) cineastas Wachevsky, no filme que não por acaso denominaram, em inglês, “A Matriz”, onde um super-computador transformava a libido posta a circular pelos sonhos de pessoas dormidas na força necessária para alimentar seus circuitos.

Pela étimo, “libido” vem do indoeuropeu, leubh, de onde se originaram palavras como love, em inglês ou lyubóv, em russo. Para os latinos, libido libidinis não se referia ao amor romântico mas à vontade intensa de posse de algo. A sua conotação era antes pejorativa que idealizada e estaria mais aproximada de gana, de capricho ou de obcecação que de amor. Em todo caso, não se referia especialmente ao apetite sexual.

Uma das primeiras menções da palavra libido na literatura latina, encontra-se num poema de Catulo, lá pelo ano 60 AC, no qual sem aguardar pela correção política, já adverte as mulheres de se precaverem das juras de amor masculinas: sed simul ad cupidae mentis satiata libido est, dicta nihil metuere, nihil periura curant. Ou seja, “mas saciada a libido em sua mente cúpida, não temem a promessa, nem se cuidam do perjúrio”. Nada de novo sob o sol.

Freud fala em “libido” no primeiro parágrafo do primeiro dos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade – “As Aberrações Sexuais”. Para a pulsão de nutrição temos a palavra ‘fome’, mas na linguagem cotidiana não há uma palavra equivalente para a pulsão sexual e assim a “ciência utiliza a palavra ‘libido’ para este propósito”. Ao final do primeiro item deste ensaio – “Desvios em Relação ao Objeto Sexual”  – onde ele disserta sobre a inversão e a bissexualidade -, há uma nota de rodapé acrescentada em 1910:

A diferença mais surpreendente entre a vida erótica da antiguidade e a nossa própria sem dúvida reside no fato de que os antigos enfatizavam a própria pulsão, enquanto que nós enfatizamos o objeto. Os antigos glorificavam a pulsão e eram capazes de exaltar mesmo um objeto inferior; enquanto que desprezamos a atividade pulsional nela mesma, e achamos uma desculpa para ela apenas nas qualidades do objeto.

Convidado a redigir o verbete Libido para a Enciclopédia Britânica, escreve: “Libido é o termo empregado na teoria das pulsões para descrever a manifestação dinâmica da sexualidade”. Krafft-Ebing, em sua famosa Psychopathia Sexualis, livro cuja primeira edição foi publicada 1886, e da qual o exemplar do fundador da Psicanálise data de 1892, já usava a noção.

Já os epígonos de Lacan, sensíveis ao convite de fazer entrar a psicanálise no século vinte, mas sem decidir-se a abandonar as categorias freudianas, ficaram atolados no pântano de uma composição impossível, levemente gnóstica, que lembra o uso que foi feito da mecânica quântica para abonar crendices new age, como por exemplo a de que as propriedades moleculares da água das torneiras vaticanas muda com a benção do Papa. (Assim como o observador muda a onda de probabilidade de um elêtron com a sua observação!). No caso do freudolacanismo, explica-se o gozo mediante a pulsão; no do lacanofreudismo, a pulsão mediante o gozo. Tanto uma quanto a outra leitura são sintomâticas da impossibilidade de abandonar o paradigma naturalista de Freud, e ambas deixam escapar tanto a novidade anunciada por Lacan ao introduzir o gozo na psicanálise, quanto os motivos que o levaram a inventar um conceito tal.

O lacanofreudismo, por exemplo, oferece, a título de formação de compromisso, uma composição sincrêtica para dar razão ao gozo: teriamos no cardápio a substância extensa tridimensional, correspondente ao corpo; a substância pensante imaterial, correspondente à alma (apelidada de “sujeito”), e a substância gozante, que não passa de outro nome para a pulsão (localizada “entre corpo e alma”). Passons…, como diria o francês.

Gostaria de sugerir outra alternativa, que não fosse nem uma, nem outra: se o campo da psicanálise for do gozo, como Lacan queria —estando o campo freudiano incluído nele (a recíproca não sendo verdadeira)—, isto comporta abandonar tanto a dualidade cartesiana quanto a formação de compromisso pseudocientífica da pulsão freudiana (mesmo e sobretudo quando apelidada de “substância gozante”).

O campo do gozo não é o nome de outro modelo epistemológico da psicanálise, mas o que ela funda ao instituir seu sujeito e seu objeto mediante seu método. O discurso psicanalítico faz existir campos de gozo sobre os quais opera. Nos aproximamos desta ideia ao dizer que a transferência é um campo onde já não cabe distinguir o analista do seu paciente, ou que o inconsciente não é do paciente ou do analista, mas da análise. 

Trata-se da efetuação da ética psicanalítica, cuja ontologia precisa ser especificada (não basta, nem de longe, adjetivar esta última de “negativa”). A única ontologia que poderia se propor para a psicanálise é a sua operação mesma —apelidada de “ato analítico”—, que eu chamei em outro lugar de desontologização. Por outras palavras, a psicanálise propicia a desconstrução da ontologia espontânea e cotidiana de todos nós devida ao fato de falarmos (e que não por acaso é aristotélica). Tal desontologização consiste na produção do seu real, isto é, da efetuação do limite do simbólico em cada caso particular, apresentado fenomenologicamente como o sintoma de cada qual. Fora da sua operação, a psicanálise não passa, na melhor das hipóteses, de um método de leitura crítica, e na pior, de mais uma filosofia ou antropologia capenga que não morde nenhum real. Uma perda de tempo, enfim.

O significante “démodé”

 

  O significante, dizia Lacan, representa o sujeito para outro significante. Esta fórmula, este encantamento, repetido durante trinta anos até a exaustão, mostra, sem explicar, a concepção lacaniana de linguagem —esse lugar transcendental, onde subjetividade e significante permanecem enlaçados em mútua remissão. Parece a estória do ovo e da galinha, mas não é, porque a linguagem precede o sujeito. Como em Kant a Lei, não se pode perguntar de onde vem a linguagem; ou melhor, perguntar pode, mas não teria sentido; esse tipo de enigma (querer saber o que havia antes de tudo ou além do infinito) só pode responder-se mediante um mito.[1] O aforismo que comento carrega embutida uma crítica do conceito clássico de representação, não obstante isso, deixa sem decidir a posição dos conceitos que utiliza.[2] Diz o que o significante faz: representar o sujeito, mas não o que é. Tampouco define a natureza do sujeito assim representado.

Hoje em dia o significante lacaniano anda bastante desacreditado; o estruturalismo decadente parece tê-lo arrastado na sua queda, apesar dos esforços do mestre e dos discípulos por cortar as cordas que o ligavam ao movimento. Muitos dos que viam no lacanismo o futuro da psicanálise, acharam chegada a hora de abandonar o carro chefe do estruturalismo à sua sorte e partir para novos paradigmas. Antes de seguí-los no seu desencanto, seria mister indagar se existe acordo sobre o que deixamos para trás. Corremos o risco, senão, de acreditar que a crítica de De Saussure inclui sem mais a de Lacan, o que não me parece fazer jus à enorme transformação conceitual operada por este ao trazer o significante para dentro do campo da psicanálise.

Não tenho a intenção de retraçar aqui o caminho desta metamorfose —quem estiver interessado lerá com proveito, entre outras coisas, L’amour de la langue, de Jean-Claude Milner—, em vez disso, desejo fazer uma observação sobre um dos motivos da decepção com o significante lacaniano deste lado do Atlântico. O motivo é este: não levamos em consideração tanto quanto seria necessário o fato de não sermos (ainda) franceses. Os exemplos vindos de além mar, com efeito, induziram muita gente a assimilar o significante a certas propriedades da linguagem falada, em particular, à homofonia. Como nossas línguas não se prestam com facilidade às homofonias, estas pessoas foram levados a concluir que, igual que certos vinhos, o bom significante era coisa rara por aqui. Quem pensa que exagero se dará ao trabalho de ler os depoimentos clínicos dos denominados “lacano-americanos”; notará com facilidade a tendência a apoiar o significante nos trocadilhos e nas homofonias, ainda que isso comporte alguma violência sobre as flores vernáculas do Lácio. Se na década de cinqüenta recomendar a um jovem analista que fizesse palavras cruzadas [3] fora um ato de transmissão de primeira grandeza, o mesmo conselho, hoje, contribui mais para os descaminhos do iniciante que para sua orientação.  

 

*  *  *

Conforme o modelo clássico determinista de Freud pensaríamos, por exemplo, que o inconsciente de tal paciente fora o responsável pelo desastre de carro em que se viu envolvido. O motorista não teria saído para passear mas, possuído pelo seu demônio interior, para bater. Como já escrevi em outro lugar, prefiro uma leitura menos animista do inconsciente. Prefiro pensar que o acidente permanece acidental, até o motorista conjecturar durante uma sessão que destruir o carro que ganhara do pai era (podia ser) uma mensagem dirigida a este último. A batida tornara-se um significante depois da ocorrência —da ocorrência discursiva, não rodoviária—, significante do desejo paterno. A psicanálise é o trabalho de discurso que transforma o azar em acontecimento. Quase diria que o mal encontro na estrada foi o pretexto para o motorista inventar (não descobrir) o texto com o qual rescrever a sua história. 

Tal invenção é possível porque a transferência, como laço erótico [4] atual do paciente, forneceu ao fato contingente as coordenadas, o contexto, em que pôde ser lido como necessário. Podemos ir ainda mais longe com esta concepção: para que a significação determinista do acidente se impusesse nem era mesmo necessário que o acidentado estivesse atrás do volante. Ainda que o motorista fosse outro, o sujeito continuaria pensando que seu destino nefasto já estava escrito e que o motorista em questão não passava de um instrumento de sua sina. Pouco importa saber o que aconteceu de fato, portanto, porque temos de nos haver sempre com uma leitura. A que o paciente fez e da qual o analista é o destinatário transferencial.

Quando errei de estrada pegando a Rodovia dos Trabalhadores em vez da Bandeirantes, estava apenas me aborrecendo pela minha desorientação; porém, como me analisava na época, este equívoco se tornou, depois de algumas sessões, um verdadeiro comentário sobre minha condição de imigrante. Perdi a viagem a Campinas, mas fiz, da substituição de Bandeirantes por Trabalhadores, uma metáfora. Todavia, afirmar que tal substituição estava escrita antes de eu pegar o carro naquela manhã, seria uma projeção retroativa de minha convicção posterior à leitura do equívoco que se impôs à minha alma. Nem “bandeirantes”, nem “trabalhadores” são significantes; o campo transferencial em que eu estava tomado na ocasião forneceu o contexto para que o acidente fosse legível. Os sonhos não podem ser lidos fora de um campo transferencial; são inertes, como o pedacinho de ferro que não se mexe fora do campo magnético causado pelo ímã. No que me diz respeito, posso acrescentar que o único real que posso constatar de toda esta estória é minha transformação relativa ao ato de viajar; mas, com certeza, ela não se deve a este único significante mas, antes, a uma constelação de eventos discursivos deste tipo.

O que possa dizer, depois, sobre tais significantes é sempre uma conjectura e, enquanto tal, da ordem da letra, não da do significante. [5] O analista que nos relata determinado acontecimento, durante uma apresentação de caso, não se refere a um significante mas à letra com a qual aquele foi inscrito. O significante não tem qualquer sobrevida posterior ao acontecimento no qual existe. 

Em suma, deixando um pouco de lado a preocupação pela “natureza” do mui mencionado significante, digamos que ele é impraticável (ou, se preferirem, não passa de um conceito datado e talvez vazio) sem um tratamento conveniente da língua —conveniente para a experiência da psicanálise, claro. Quero dizer que considero o significante uma operação sobre a língua, realizada dentro do campo da transferência, cujo resultado será um acontecimento de discurso, perceptível só a-posteriori, e que determina de modo inequívoco o “sujeito da enunciação”. [6] Estou propondo, como se vê, uma abordagem heurística do conceito, específica para nossa disciplina. Não pergunto o que é um significante, senão para que pode nos servir.

Para todos os efeitos, no discurso do psicanalista, o significante não existe por si mesmo mas é função de uma leitura. Não é necessário que se trate de homofonias ou trocadilhos; nem é mesmo preciso que haja palavras em jogo, desde que haja um leitor cuja leitura se verifique, posteriormente, como acontecimento discursivo. O tempo do significante é o futuro do pretérito; ele terá sido depois do acontecimento (après-coup), o presente lhe é alheio. Esta definição operacional, restrita, do significante, ainda que vulnerável a várias objeções filosóficas, tem o mérito de chamar a atenção para o psicanalista enquanto agente do seu discurso, como responsável (ou responsabilizável) por um efeito. Nada está predestinado a ser um significante porque é a escuta que o torna tal; qualquer coisa que o analista diga ou faça (ou deixe de dizer ou fazer) durante a sessão pode entrar nesta categoria. Dele depende que o ainda insignificante deixe de sê-lo ou então se perca no mar das estórias. Sua responsabilidade aqui é completa e não pode ser delegada. A transferência, em suma, não se transfere. [7]

*  *  *

Há trinta e dois anos Lacan dizia que o estatuto do inconsciente freudiano era ético, não ôntico. [8] Que pode significar isso, a não ser que o inconsciente é relativo ao ato analítico e não tem qualquer tipo de existência fora dele? A associação livre, portanto, nada tem de livre e não está dada; ela é, antes, o resultado do conjunto das intervenções do analista sobre a fala de seu paciente. Não estou certo se posso afirmar que o analista deve ensinar o paciente a associar livremente, mas é certo que não todos os tratamentos da fala do paciente permitem que ela se instale. 

Semana passada, por exemplo, tive de interromper um paciente que se dedicava a transformar o sonho que acabava de me contar num texto alegórico. Segundo ele, o mar sonhado representava as profundezas de seu “aparelho psíquico”; a flutuabilidade de que dava provas, sua dificuldade para aprofundar-se na análise; os enormes peixes entrevistos lá embaixo, obscuros e inalcançáveis, objetos de seu desejo, e assim seguindo. O paciente ficou algo zangado quando lhe disse que não tinha pedido para ele interpretar seu sonho mas para associar em cima dele. Tinha motivos para sentir-se irritado, no fim das contas esta é sua terceira análise, e já faz como quinze anos que livre-associa sem parar. Em todo caso, uma vez que desistiu do devaneio kitsch a que se tinha entregue, nos encontramos com que, na véspera, assistira um programa na tv a cabo sobre tubarões; seu primo se dera bem, passando para trás todos os sócios; seu pai morrera na pobreza por confiar demais nos outros; e durante um curso de mergulho concluído recentemente teve enorme dificuldade para afundar, “devo ser uma merda”, disse, “não afundo nem com dez quilos de chumbo”. [9]

Não sei aonde chegaremos acompanhando o percurso desta corrente de associações, mas uma coisa é certa, minha observação de que permanecer na superfície não garantia seu afastamento dos tubarões, jogou uma luz sobre suas inibições profissionais que duvido muito fosse possível permanecendo no plano de suas alegorias. Por outro lado, eu jamais poderia ter feito observação tal sem suas associações. Ou seja, embora toda formação do inconsciente seja um enigma, não todo tratamento do enigma serve para pinçar o sujeito da enunciação. Quero dizer que é necessário aprender a servir-se da associação livre; que não qualquer coisa que o analisando diga representa uma abertura para sua enunciação. Digo, também, que uma das tarefas do analista é ensiná-lo a servir-se bem da sessão de análise.

 

São Paulo, 6/9/96 


NOTAS

 

[1] Obviamente, estou pressupondo aqui que é conhecida a concepção criacionista que Lacan tinha da linguagem; porque para alguém que pensa esta última como um instrumento de comunicação, por exemplo, o problema da sua origen é perfeitamente pertinente.

[2] “Posição”, em filosofía, é o conjunto de determinações de um ente. A resposta à pergunta pelo “ser” de alguma coisa. A resposta a este problema está num artigo, escrito a partir do “Seminário XI”, denominado, precisamente, “Posição do Inconsciente”, que pode ser lido em Écrits, Paris: Seuil, 1966

[3] Cf. “Função e campo da palavra e da linguagem em psicanálise” in Écrits, op. cit.

[4] Tinha escrito “libidinal”, mas está mais do que na hora de reconhecer que a psicanálise é uma erótica (nota de 2020)

[5] Não entro no mérito desta observação aqui, mas Lacan insiste, na década de setenta, que o significante pertence à ordem simbólica, diferente da letra que seria real (os clássicos exemplos sendo tomados das fórmulas físico-matemáticas, que são puros sistemas formais com penetração no real: o Sputnik teria sido, literalmente, a realização da lei de Newton da gravitação.)

[6] Que o sujeito surja do equívoco não quer dizer que ele próprio o seja. 

[7] Cf. meu Ensaio sobre a moral de Freud, Salvador, Ágalma, 1994

[8] Seminário XI, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio, Zahar, 1983.

[9] Falei deste tratamento, e da concepção de linguagem que comporta, em outro lugar, cf. “‘O inconsciente está estruturado como uma linguagem’ é um argumento de Lacan”, em Boletim de novidades no   67, nov. 1994, ed. Escuta.

A empadinha

Correio de leitores

 

Ricardo goldenberg

 

Há sete anos e quase setenta números que a chamada “revista da Pulsional”, este Boletim de novidades, incentiva a escrita psicanalítica em nome do que Manoel T. Berlinck denomina “pluralismo não eclético”. Os colaboradores se comprometem com textos de sua autoria, em nome apenas da sua singularidade. Singularidade que, espera-se, fale por si, sem intervenção seletiva dos editores (pelo menos, em tese).

 

A coexistência pacífica dos escritos no papel, entretanto, raramente passa de uma espécie de indiferença mútua. Poucas foram as vezes, com efeito, em que este pluralismo produziu qualquer polêmica de fato. E até nova ordem a polêmica é o único meio de fazer avançar as idéias, ultrapassar os limites de nossas concepções e interpelar os pressupostos implícitos nelas. Esta convivência indiferente, ainda que possa parecer “politicamente correta”, reflete ao invés um certo fracasso da proposta inicial da publicação. Por que? Porque se eu, como leitor, não me dou o trabalho de criticar o que me parece criticável, que outro destino posso esperar para minhas colaborações, como autor, que o descaso? E se for assim, para que publicar o que quer que seja? Por esta razão, desejaria debater com o artigo que Marion Minerbo publicou no Boletim #64, na seção “Clinicando”, e que ela mesma intitula de “A empadinha”.

 

*

 

A autora apresenta um relato de caso que teve a bem tirar do círculo restrito da Sociedade de Psicanálise de São Paulo, da qual é membro titular. Ainda que fosse só por isso devemos ser-lhe gratos. Mas não é só, o caso tem interesse em si, por tratar-se de uma bulimia, forma clínica cuja dificuldade no que tange à direção do tratamento nenhum analista ignora, por pouco que tenha trabalhado com este tipo de patologia. Last but not least, não são tantos os colegas que tem a coragem de expor o que fazem dentro dos seus consultórios, muito menos com a elegância com que Minerbo o fez aqui.

 

 

O tratamento do caso

 

Uma estrutura perversa cuja manifestação sintomática seria a bulimia. Esta, creio, seria a síntese do ponto de vista da psicanalista sobre a paciente de que nos fala, conforme exposto pelo artigo.

 

Minerbo define a perversão como a convivência da sexualidade adulta com a infantil. E acrescenta que uma tal coexistência seria causa de angústia para a paciente (p.35). Deixando em suspense esta definição para quando tivermos examinado a descrição mais de perto, digamos, por enquanto, que uma definição idêntica seria cabível para a neurose sem tirar nem por uma vírgula.

 

A constatação de que aquela mulher fala como se não soubesse que comer engorda, apesar de ocupar-se disso o dia inteiro, parece ter levado a psicanalista a pensar na Verleugnung, o desmentido perverso. Em palavras dela:

 

“(A paciente) sabe e não sabe que comer engorda, e que isto é inelutável. Ou seja, não se pode desprezar a natureza calórica dos alimentos; há conseqüências para aqueles que decidem satisfazer todos os seus desejos. A punição é visível no corpo (!), aquela gordura toda da qual não consegue se livrar.”

“Há os que sabem da verdade, reconhecem a lei das calorias -ou a lei edipiana, se se preferir – e de fato empreendem a dolorosa renúncia ao objeto primário!”

 

Um comportamento que, como este, desmente o bom senso ou as melhores intenções do indivíduo não justifica, na minha opinião, o uso de uma categoria como a perversão para dar conta dele. Desde a Psicopatologia da vida cotidiana condutas deste tipo exprimem antes a divisão do sujeito consigo mesmo, o bom e velho recalque. O inconsciente, oras! É discutível, claro, mas a princípio não me parece necessário lançar mão da perversão para entender a lógica daquela garota que dá para o namorado sem tomar as devidas precauções anticoncepcionais, “como se não soubesse que transar engravida”.

 

Esta observação não se refere ao diagnóstico mas aos exemplos citados. Falar do diagnóstico é mais delicado.Como psicanalista Minerbo diagnostica a estrutura a partir do que o analisante faz dela na transferência. Não há outro modo de diagnosticar dentro do campo da psicanálise e a justeza do diagnóstico coincide com a eficácia de nossa intervenção concreta no discurso do analisante. Seria uma fútil pretensão dar palpites sobre um laço transferencial do qual não se faz parte de nenhuma maneira. O que sim pode ser feito é discutir com o texto apresentado, isto é, com suas razões. Por isso me ocupo, a seguir, de conjecturar a partir da verossimilhança desta ficção textual. A verdade, como o real, está alhures.

 

*

 

Como qualquer sintoma, a bulimia é uma modalidade de tratar, digamos, a “satisfação” pulsional. Embora este em particular perturba a função alimentar não se deduz disso que a fantasia que o determina seja necessariamente oral. A autora não deixa de registrar este fato, talvez um pouco a contragosto.[1]

 

Imaginemos, todavia, apenas a título de ilustração, uma fantasia vampírica que empurrasse o sujeito a “fazer-se sugar” (como a moça seduzida que, no Drácula de Bram Stocker, não consegue deixar de ir para o vampiro que a chama no seu sono). Uma resposta possível a tal injunção seria fazer um sintoma do tipo: “chupar até estourar”. Esta incorporação compulsiva seria ao mesmo tempo metáfora do gozo do vampiro e defesa contra ele. Quero dizer que um sintoma tem duas faces, uma simbólica, que nos permite tratá-lo como uma mensagem cifrada, e outra real que se refere ao gozo mais ou menos gosmento, mais ou menos besta mas sempre desgastante, no qual o paciente está envolvido (no sentido em que se diz de uma ameba que envolve a partícula que irá fagocitar).

 

Uma interpretação justa dissolve o sintoma, menos por revelar seu sentido oculto que por tornar obsoleta sua “verdade” aos olhos do paciente. Digna ou indigna, pouco importa, a verdade do sintoma não passa de sua pura forma significante. A metáfora que sustinha o gozo sintomático torna-se ineficaz e o sujeito deixa de precisar dela. A solução de uma intratável prisão de ventre, por exemplo, terminou sendo uma expressão que o paciente teria ouvido quando criança a respeito de seu pai estar “de rabo preso” com uma amante. “Não posso acreditar que semelhante besteira fosse a chave de minha vida”, diria ele mais tarde. E por que não? Porque ele esperava que o sublime mistério da sua obstipação se resumisse em algo mais elevado que esta expressão besta. Enfim, acontece até nas melhores famílias. O problema começa quando também o analista simpatiza com a crença nas grandes verdades reveladas vindas das profundezas. Esta simpatia pode levá-lo a privilegiar a significação (Bedeutung) sobre o significante. Lenha na fogueira do sintoma que cresce e se multiplica, porque se nutre com significados. E quanto mais cheio de sentido o sintoma, tanto mais possuído estará o paciente pela forma de gozar que tal sintoma comanda.

 

Por isso o modo como um sintoma se dissolve me interessa mais que seu conteúdo de representações. Atendendo à forma de ele desaparecer (quando desaparece, claro, o que não é fácil em casos de bulimia) podemos ter uma boa idéia da natureza da satisfação estúpida que assombrava nosso analisante. [2] No caso que nos ocupa, a empadinha… Uma empadinha de lanchonete, bem, não é exatamente a mais fina iguaria da cozinha de Babette. Nada tenho contra salgadinhos porém, uma coisa é certa, os 30 quilos a mais desta mulher não são o resultado do refinamento de seu paladar.

 

Tornar-se um pouco gourmet não seria um desfecho ruim para a psicanálise de uma bulímica. Passar da devoração compulsiva à degustação, com as sutilezas e as nuanças dos sabores, das texturas, dos cheiros e das cores. Mas para se constituir um savoir-faire com a pulsão oral seria preciso antes tocar no valor libidinal das prezadas “delícias”. O luxo era um lixo. É um tema que mereceria reflexão: as transformações possíveis da pulsão oral. Em todo caso, parece-me mais interessante que limitar-nos a afirmar (p. 36) que o progresso desta cura consiste em que a paciente desista das empadinhas entre as refeições (incestuosa) para ficar só com as empadinhas das refeições (permitidas pela lei… das calorias -ou a lei edipiana, se se preferir). Será que pode rissoles no café da manhã?

 

O caso do tratamento

 

Muito embora uma certa identificação com o paciente que se consulta conosco seja fundamental para podermos ouví-lo, penso que ao nos apresentar seu artigo sobre a bulímica como tendo para nós o mesmo valor libidinal que a empadinha para a paciente, isto é, como uma delícia (“Meu texto é a empada de Ana”), a autora vai talvez um pouco longe nesta direção.

 

“Mais de um colega comentou que se deliciou com a leitura de minha descrição teórico-clínica.”

“Proponho a hipótese de que o texto reproduz o efeito “empadinha”: o leitor saliva ao entrever a estrutura psíquica perversa em sua especificidade, e ao mesmo tempo em estreita relação com a teoria. (…) Meu texto é a empada de Ana, (…) provavelmente em função daquilo que devia expressar: algo inerente à estrutura perversa presente no campo transferencial.”

 

Deixemos, por enquanto, a coincidência entre a teoria e a observação clínica que daria água na boca dos leitores, para ocupar-nos do que aqui se denomina estrutura perversa presente no campo transferencial. No que tange a este último ponto a psicanalista é explícita: na transferência ela ocupa o lugar da mãe (p.35).

 

Esta mãe, conforme a hipótese que comanda o tratamento, é a sede de um Super-eu sádico que exige à paciente renunciar a toda e qualquer satisfação. Como, sempre segundo a autora, não dá para viver sem um mínimo de prazer, esta senhora estaria obrigada a transgredir a proibição até a obesidade. Bastaria, então, o Super-eu permitir um pouquinho que seja de Lust (um pãozinho por dia) para o sintoma ceder. Concepção Aristotélica da cura na que se trata de domesticar o gozo, encontrando a “justa medida” da satisfação oral. Para tanto, a comedora deverá identificar, dentro da classe dos salgadinhos, os que seriam permitidos e os que não o seriam, com a finalidade de renunciar à empadinha excessiva, aquela que se acumula na banha de seu corpo.[3] Em suma, há que pacificar o Super-eu que, note-se, se pode ser chamado de sádico é porque trata a paciente como se “objeto” fosse.

 

Mais do que devorar por desobediência diria-se que esta mulher obedece a demanda materna entupindo-se de junk-food. No fim das contas, não nos é dito que ela recebe da mãe o “convite” para comer (minha mãe é responsável pelo cardápio da casa)? Tudo parece indicar que o sintoma se “alimenta” da crença de que sua mãe desfruta vendo-a comer. É uma conjectura e vale o que vale, porém, se fosse o caso, a analista poderia aproveitar que fala do lugar da mãe para dizer à paciente algo assim como: “teu gozo pouco me interessa”. Claro que existe um senão. Uma observação deste tipo só seria procedente se a paciente não fosse uma perversa.

 

 

E se não se tratasse de uma perversa?

 

O critério principal para se reconhecer a presença do inconsciente na fala desta paciente parece ser o do afastamento da realidade objetiva. Este critério está implícito em observações do tipo: “há os que sabem que comer engorda” (donde se deduz que ela não reconheceria a realidade porque age em função de uma fantasia, etc.). Eu desejaria chamar a atenção para a dimensão performativa do discurso que está sub-aproveitada em benefício desta noção de realidade

 

Qualquer um concordaria com que ao declarar meu amor a uma mulher faço mais que comunicar-lhe uma informação objetiva. “Eu te amo” é uma expressão que tem a pretensão de atingir o destinatário, não apenas de informá-lo. Em todo caso, está longe de se limitar a transmitir um significado de caráter abstrato e universal. Minerbo tem toda a razão em indicar que o discurso que esta mulher sustenta apresenta-se como sem conseqüências. Falar é em vão. Qualquer coisa pode ser dita impunemente. Não estou tão certo todavia que desta posição se deduza a perversão, nem que devamos limitar a falta imaginária de conseqüências à classe dos alimentos. Opino, ao invés, que esta classe, da qual a empadinha faz parte, não passa de o lugar metafórico no qual esta paciente mostra, como todo neurótico, sua crença num discurso sem efeitos. É nisto que consiste o “infantilismo” dela que a analista registra e remete, de maneira errada, a meu ver, à perversão.

 

Sempre pensei que o gênio da psicanálise estava na sua proposta de tratarmos a fala de um analisante como sendo antes de tudo performativa. Digo “performativa” no sentido de que, às vezes, dizer é fazer. A questão é: fazer o quê. O que um discurso pretende fazer de mim e comigo depende do meu lugar na transferência. Este lugar está delimitado por uma demanda que, por sua vez, depende de como o paciente está tomado pelo gozo pulsional. Determinar a forma desta demanda permitir-nos-ia responder menos a seu conteúdo, ao enunciado, que à forma mesma do discurso que o enuncia (incluindo-se nele também o não verbal). Responder quer dizer aqui implicar a paciente na sua fala. Precondição para que ela mesma possa tomar a banha, por exemplo, como consequência de seu próprio discurso.

 

Minerbo nos dá um belissimo exemplo desta diferença entre o enunciado e a enunciação (e a fortiori entre a demanda e o desejo) quando resolve nos contar o modo como sua analisante cita e comenta um filme (p. 34).

 

“Outro dia assisti aquele filme “Proposta indecente”. Mas que dilema idiota, não sei o que as pessoas tanto falam disto: indecente é recusar uma proposta destas. Quem não quer receber um milhão de dólares para ir para a cama com um homem maravilhoso? Em nome do quê, meu Deus? Estas pessoas pensam de um jeito que eu não entendo. Aliás, o nome do filme é “Proposal”. Na tradução é que acrescentaram o indecente.”

 

Pena que um certo preconceito devido àquela certeza de estar a tratar uma perversa, não lhe tenha permitido acolher a evocação do filme como uma declaração de amor que lhe estaria sendo endereçada na transferência. “Você não pagaria para me ver gozando?”

 

“A tradução (traição!) efetuada pelo seu objeto primário deixou inscrita esta marca: o desejo é indecente. A solução que encontrou para contornar esta condenação tão terrível acabou por criar uma nova ética. Indecente, para Ana, é resistir às tentações (a autora grifa)”

 

Será? A indecência será resistir às tentações ou que semelhante declaração de amor pudesse ser recusada? Mas como a analista se faz de desentendida no que diz respeito à proposta, e já que meia palavra não basta, a paciente pergunta na lata:

 

“Você não tem medo de ser comida por seus pacientes?” (p. 36)

 

Aqui, novamente, não posso me aventurar aonde a análise não foi, mas se por um instante nos abstivermos de cair sobre o significado genital do “ser comida”, aproveitando que Minerbo nos convida a ver no seu texto uma delicatessen (acaso não tem gente que “devora livros?”), por que não escutar nesta provocação a singularidade mesma da paciente? Algo assim como: você não tem medo de ser para mim uma empadinha? A linha divisória passa aqui menos entre a vagina e boca, creio, que entre o lugar da comida e de quem manda comer (para satisfazer-se comigo comendo). A criança ao declarar-se com fome e pedir para comer satisfaz, antes que uma oferta materna de alimento, uma verdadeira demanda de deixar-se nutrir por ela.

 

Eu não vejo outra “perversão” no campo transferencial que a miragem histérica (meu gozo é seu desejo) que prende esta paciente a sua mãe. Neste sentido, ao nos oferecer seu texto para degustação, a analista mostra a via pela qual retorna o que fora recalcado pela sua paciente. A empadinha, enfim, só perderá seu valor metonímico e deixará de alimentar o sintoma para fazê-lo engordar e à paciente, quando a metáfora de sublime satisfação que representa seja degradada até mostrar a que veio. Exatamente como Minerbo mesma nota, embora sem muita convicção (já que, a seguir, “eleva” seu texto à mesma função metonímica do sintoma da paciente, demonstrando a contrario o sentido que devia ter sido dado a sua intervenção), o estatuto “anal” da tal empadinha.

 

Do contrário, não haverá sal de frutas que chegue para nos livrar da indigestão.

 


 

Texto publicado no Boletim de novidades, ano 8, Número 69, janeiro de 1995. São Paulo: Editora Escuta. 


 

[1] Cf. p. 37:Várias estruturas se superpõem, por isto o ato-sintoma é sobredeterminado, o que nos desencoraja a lhe atribuir um sentido único. De fato, como dizer se a empadinha representa o seio, o útero, o pênis, as fezes?

[2] Não estou falando nenhuma originalidade, ainda no século passado Freud contava que se orientava pelo grau de resistência para saber se estava mais perto ou mais longe do núcleo do recalcado.

[3]  Estou enganado, ou a psicanalista, desde o lugar materno, ensina a sua paciente como negociar com o Super-eu, para obter um compromisso entre satisfação e defesa? No caso de que não esteja enganado, vale lembrar que esta é a própria definição freudiana de sintoma.

A praxis psicanalítica interrogada pela clínica de crianças e de bebês, a propósito do mental e do sujeito

 

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CADA UM TEM O ANALISTA QUE MERECE

Quero falar sobre nossos pacientes, os nossos e os dos outros.

O tema destas jornadas é o ato analítico e por tal todo mundo entende o que cada analista faz com seus pacientes. O sujeito do agir está na poltrona, o objeto sobre o qual a ação recai, no divã. Tenho certeza que ninguém aqui o diria desta maneira, mas é assim que resulta de fato concebido, se não de direito, ao menos de fato. Meu desejo é refletir junto com vocês sobre o que se passa ou não se passa do lado divã do ato analítico.

“Cada um tem o analista que merece” é o mote que me ocorreu para conversarmos sobre isso. Poderia ter chamado esta comunicação de “Jacques com Nelson”, aproveitando aquele impagável “perdoa-me por me traíres” ›que, sem o voluntarismo da boa ou da má consciência, e sem condescendência para com a vitimização generalizada, me parece uma fórmula excelente para introduzir a pergunta pela ética do analisante, se houver.

Esta ideia de pensar a ética do lado analisante não é nada nova para mim. Há muitos anos argumentei sobre a inadequação da palavra “paciente” para designar os atarefados em analisarem-se. Lacan sugeriu precisamente “analisante”, em vez de analisando, para denotar que ali não havia a menor passividade. Eu teria preferido “analisador” em nossa língua, mas enfim, é a tradução que vingou para analysant. Naquela ocasião, sugeri que cabia ao analista ser paciente, contanto que tivesse a manha de induzir uma certa impaciência nos seus analisantes. Paciência para esperar o bom momento de incomodá-los, a ponto de sacudir a sua inércia sintomática. No fim das contas, saber esperar a boa ocasião faz o bom político, e o bom analista também.

 

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Sobre a Lolita de Nabokov (reflexões)

A PSICANÁLISE POR DEMAIS APLICADA

 

[O poeta] descobre em si mesmo o que nós aprendemos em outros; isto é, as leis que a atividade do inconsciente deve obedecer; mas não precisa formular tais leis, nem mesmo discerní-las com clareza: como resultado da atitude tolerante do seu pensamento passam  as mesmas a formar parte de sua criação estética. Nós desenvolvemos ditas leis mediante a análise de suas obras, tal como as inferimos dos casos reais de doença […]

 

FREUD, 1906

 

Afirmo, e o afirmaria sem hesitar —e assim fazendo acredito estar na linha de Freud—, que as criações poéticas engendram mais do que refletem as criações psicológicas.

 

LACAN, 1959

 

Freud é, em essência, Shakespeare prosificado.

 

BLOOM, 1994

 

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