Lacan disse que “a travessia da fantasia é o fim da análise” –FAKE NEWS 1a parte

Depois da morte de Lacan tornou-se consensual que o final da análise lacaniano consistia na “travessia da fantasia inconsciente”. Trata-se de uma idea apócrifa atribuída a Lacan, mas que permite refletir sobre o fim das ananálises.

CADA UM TEM O ANALISTA QUE MERECE

Quero falar sobre nossos pacientes, os nossos e os dos outros.

O tema destas jornadas é o ato analítico e por tal todo mundo entende o que cada analista faz com seus pacientes. O sujeito do agir está na poltrona, o objeto sobre o qual a ação recai, no divã. Tenho certeza que ninguém aqui o diria desta maneira, mas é assim que resulta de fato concebido, se não de direito, ao menos de fato. Meu desejo é refletir junto com vocês sobre o que se passa ou não se passa do lado divã do ato analítico.

“Cada um tem o analista que merece” é o mote que me ocorreu para conversarmos sobre isso. Poderia ter chamado esta comunicação de “Jacques com Nelson”, aproveitando aquele impagável “perdoa-me por me traíres” ›que, sem o voluntarismo da boa ou da má consciência, e sem condescendência para com a vitimização generalizada, me parece uma fórmula excelente para introduzir a pergunta pela ética do analisante, se houver.

Esta ideia de pensar a ética do lado analisante não é nada nova para mim. Há muitos anos argumentei sobre a inadequação da palavra “paciente” para designar os atarefados em analisarem-se. Lacan sugeriu precisamente “analisante”, em vez de analisando, para denotar que ali não havia a menor passividade. Eu teria preferido “analisador” em nossa língua, mas enfim, é a tradução que vingou para analysant. Naquela ocasião, sugeri que cabia ao analista ser paciente, contanto que tivesse a manha de induzir uma certa impaciência nos seus analisantes. Paciência para esperar o bom momento de incomodá-los, a ponto de sacudir a sua inércia sintomática. No fim das contas, saber esperar a boa ocasião faz o bom político, e o bom analista também.

 

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…Porque (por que?) temos um presidente perigoso

Porque nos diz o que queremos escutar. Que não há desmatamento na Amazônia; que não existem buracos na camada de ozônio; que a iminência da catástrofe climática mundial e uma história da carochinha (contada por cientistas que nos querem mal); que as catástrofes de Mariana ou Brumadinho são fatalidades; que o desemprego é mentira da ideologia; que o PIB vai crecer 40 %; que Deus não apenas vela por nós, como é brasileiro, enfim, que não há vírus nenhum ou que ele não nos matará, como ao resto dos otários…

Não há. E se houver, é uma gripezinha de nada. E se não for, há um remedinho que ele vende e que o faz passar já, já. E se não passar, há de morrer apenas quem merece —o rebotalho do capitalismo: velhos onerosos dos combalidos cofres da previdência, pobres improdutivos, desabrigados, drogados, e outros pecadores que sequer vale a pena nomear. Não a gente de bem, nunca. E se estes também cairem, é o desígnio divino e não nos cabe tentar compreender. De algo temos que morrer e  não vamos culpar o presidente por cada infarto, cada câncer, cada acidente de trânsito, cada desavença resolvida a bala, vamos?

 

E no fundo, quem de nós, secretamente, não desejaria que fosse verdade? No fundo, ou nem tão fundo assim, não seria maravilhoso se estiver certo? Se este pesadelo fosse apenas um engodo ideado por cientistas a serviço de interesses esconsos, ou políticos infames contrários a nosso bem-estar ou jornalistas, inescrupulosos fantoches das forças obscuras que querem acabar com o Brasil? Terra justa e próspera, abençoada por Deus e bonita por natureza.

Meu pai fazia parecido por amor: dizer que tudo estava bem e daria certo, enquanto fortes indícios da tempestade que se desencadearia sobre nossas cabeças diziam o contrário. E nós, a sua família, achávamos por bem cegar nossos olhos para as nuvens juntando-se no céu e para o vento a soprar cada vez mais violento. Considerar estes sinais era mera superstição e questionar, imperdoável falta de fé no patriarca. Pagávamos seu amor com o amor da nossa ignorância, já que obscuramente sabíamos que se (nos) enganava para nos proteger. Mas para nos proteger do quê? Não certamente da desgraça que a sua impotência não podia prevenir. Talvez de reconhecer-lhe tal e tamanha impotência, que só era uma falta e um pecado pela insistência de todos em continuar acreditando em O Pai. Teríamos feito melhor por ele (e por nós), livrando-o (livrando-nos) do peso da investidura. De outro modo, para preservarmos a ilusão de termos um capitão a nos levar a bom porto, afundamos junto com ele e com o barco. Somos como os tripulantes de aquele outro barco, o Pequod, obedecendo as ordens do seu capitão, Ahab, que apenas estava interessado em alcançar a baleia branca Moby Dick custe o que custar Preciso lembrar que essa história foi contada pelo único sobrevivente?

 

Alguém comparou este outro capitão, nosso presidente, com O Flautista de Hämelin. Estava certo, mas, se ele for como o capitão Ahab, nós somos a sua tripulação embasbacada; e se for como o  mencionado flautista, somos os ratos, ou as crianças. E vamos terminar no fundo do mar, ou do rio, ou destruídos pelo vírus, porque queremos um pai, por imaginarmos que nos ama; por desejarmos ser liderados por um capitão (ou um general), enquanto não deixamos de saber que ele está interessado apenas em caçar a sua baleia, ou o poder e as benesses que serão só para ele e para os seus.

 

Estou falando de sedução —palavra derivada do latim seducere,  que literalmente significa “desviar do caminho”. E com quanta alegria nos desviamos do nosso quando alguém nos diz o que queremos escutar? Que é melhor divertir-se do que ir à escola, no caso de Pinóquio, por exemplo, e como ele vamos todos terminar convertidos em burros, ou pior…

 

Algumas perguntas aos psicanalistas de hoje

—Um analista se forma? E como?
—Quais são as relações entre a teoria aprendida nas escolas e a experiência que se teve como analisando?
—Basta esta experiência para se tornar um psicanalista?
E se não, por que não?

Questões que Nina Leite, Ricardo Pacheco e Du Moreira pinçaram em DESLER LACAN de Ricardo Goldenberg —já em sua segunda edição.

 

 

 

Sexta feira, 11 de outubro de 2019 de 20:00 a 23:00

Rua Tinhorão, 60, Consolação, São Paulo -SP, 01241-030
Entrada Franca (como dizem)
Organizado por Ricardo Goldenberg

LANÇAMENTO da segunda edição de DESLER LACAN em CAMPINAS.

Três razões para ler Desler Lacan e uma para debatê-lo

 

Três provocações para se ler Desler Lacan —livro do psicanalista Ricardo Goldenberg, em sua segunda edição, a ser lançado no OUTRARTE—

Uma: Se você acha que “ser” psicanalista é uma questão de “ser”

Duas: Se você acha que o prazer que sente, o sente no seu corpo (entendendo por “corpo” a coisa sobre a qual seu prazer se espraia) ou, então, se você tem questões sobre a materialidade do significante e a respectiva capacidade da linguagem de produzir dito prazer.

Três: Se você acha Lacan difícil e gostaria de elucidá-lo de vez ou, então, se aposta na circunscrição rigorosa dos impasses lógicos como mola da sua versão da psicanálise.

…E uma razão para se debater Desler Lacan: A pergunta sobre a leitura e sua aproximação com aquilo que especifica o ato de um analista é uma das linhas cortantes percorridas aqui com rigor pop, de fio a pavio. Pergunta que interessa ser aprofundada neste encontro.

Esperamos você

no dia 02-08-19, sexta, às 10:00, no Anfiteatro do IEL/UNICAMP.

Sobre a Lolita de Nabokov (reflexões)

A PSICANÁLISE POR DEMAIS APLICADA

 

[O poeta] descobre em si mesmo o que nós aprendemos em outros; isto é, as leis que a atividade do inconsciente deve obedecer; mas não precisa formular tais leis, nem mesmo discerní-las com clareza: como resultado da atitude tolerante do seu pensamento passam  as mesmas a formar parte de sua criação estética. Nós desenvolvemos ditas leis mediante a análise de suas obras, tal como as inferimos dos casos reais de doença […]

 

FREUD, 1906

 

Afirmo, e o afirmaria sem hesitar —e assim fazendo acredito estar na linha de Freud—, que as criações poéticas engendram mais do que refletem as criações psicológicas.

 

LACAN, 1959

 

Freud é, em essência, Shakespeare prosificado.

 

BLOOM, 1994

 

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Resenha de DESLER LACAN, por Marta D’Agord

Como o âmbar, que preserva a mosca para nada saber de seu vôo

 

Apresento essa resenha para destacar a relevância do livro Desler Lacan para os estudos da obra e do ensino de Lacan no âmbito acadêmico. Afirmo isso como participante de um Programa de Pós-Graduação em Psicanálise. Desse recente livro de Ricardo Goldenberg (Instituto Langage, 2018), já há duas resenhas publicadas pelo jornal Folha de São Paulo e o autor respondeu, em seu blog, à primeira delas, escrita por C. Dunker. Se a resenha de Dunker destaca o conceito de desleitura a partir de Harold Bloom; a segunda resenha, por Pacheco, aborda a leitura a partir de Roland Barthes. Na minha resenha, quero privilegiar a desleitura como crítica à substancialização do inconsciente.

A capa do livro é ilustrativa do título e remete ao âmbar que preserva a mosca para nada saber de seu vôo. Ou seja, a replicação que deixa de lado o mais inovador no ensino de Lacan. O título da minha resenha tomou a epígrafe do livro que, por sua vez, é a frase final do prefácio escrito por Lacan (1969) à publicação da primeira tese acadêmica sobre seu ensino: livro de Anika Lemaire (1970).

Entre as inovações que ficaram esquecidas, e às quais se dedica Goldenberg em seu Desler Lacan, destaco a seguir duas. No Seminario 17, tratava-se de um crítica ao complexo de Édipo bem antes que Deleuze e Guattari saíssem com seu antiédipo.  No Seminário 20, Lacan não teoriza a sexualidade nem em termos de gênero nem em termos de gozo, mas em termos de lógica discursiva. Enfim, Lacan estava visando uma teoria não substancialista da psicanálise.

 

Marta D'Agord é mestre em filosofia e doutora em psicologia. Professora do PPG Psicanálise: clinica e cultura. UFRGS. Porto Alegre.

 

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O político do analítico

“Se não digo o que deve ser feito, não é porque não haja o que fazer. Ao contrário, penso que há mil coisas a serem feitas, inventadas, fabricadas por parte daqueles que reconhecem as relações de poder nas quais estão implicados e tem decidido resistir a elas ou escapar delas. […] Não realizo as minhas análises para dizer: as coisas são assim, vocês estão aprisionados. Só digo essas coisas na medida em que considero que isso permite transformá-las.”

Foucault (Dits et écrits, IV, Paris: Gallimard, 1994, p.93)